24.12.11

Natal: tempo de colheita.

Enquanto para muitos o Natal é um período de consumismo e de formalidades banais, para mim, independente do catolicismo, do cardecismo, do budismo, das religiões africanas ou do ateísmo, Natal é um tempo em que eclode o nascimento enquanto presença. Para quem já nasceu, a presença do nascimento tem outro nome: renascimento.

Mais do que nascer duas vezes durante a vida, renascer talvez seja continuar nascendo mesmo após a travessia para a morte.

Quando temos uma família- pais, irmãos, avós, filhos- deixamos coisas que perduram para além de nossa vida biológica. Lembro sempre que em momentos diferentes da minha infância vovó Nelly e tia Mimi me disseram que não estariam vivas pra me ver formado e casando, mas que estavam me educando para ser um homem de bem.

Ao trazer isso à memória e viver tudo de novo por dentro, pensei pela primeira vez que um dia poderei formar uma família. Nova, aberta. No tempo preciso. Um abacateiro. antes disso: anoitecerá tomate, amanhecerá mamão.

Com isso senti que vovó e titia também renascem, em cada movimento meu, ligando as duas pontas da vida. Um dia, também ligarei a próxima e não será mais só eu e elas. Será a genealogia do amor. O DNA do afeto, indescritível e indecifrável. Frutificando.

Fazendo da vida um elogio da simplicidade, aquelas senhoras cultivaram o futuro sem nunca ouvir falar em Nietzsche, mas cada afago e cada educar diziam assim: - Torna-te quem tu és.

É bonito saber quem me tornei.Que me tornei o aquilo que sempre fui, mas poderia nunca ter alcançado. Colher o fruto lembrando da força das raízes. Toda árvore é uma seta apontada para o céu. Hoje sou um futuro. Amanhã serei um passado. Mas sempre presente. Quando não for tempo, talvez também seja vovó. talvez também seja minha tia: para alguém. Em alguém. Com alguém. Renascendo.

Primeira Gare

A noite;

Quanto medo
Do escuro
No vazio
Onde mora
A desvida.

O quarto:

Estrelas
No céu
Do teto
Carrossel
Cintilante
Girando tempos
Que correm
Para trás.

Vovó:

Mosquitos
Cortinado
Xarope
Sonhe com os anjinhos
Um beijo que ainda é
E uma oração
Ao pé-da-cama;
O mundo costurado
No cobertorzinho.

A vida;

Saudade.