20.9.08

Talvez uma das maiores contribuições de Glauber seja sua coragem ao lidar com a História. O professor, ainda não santo guerreiro, ensinava aos alunos na praça coisas externas a si: datas importantes e adventícias. Mesmo sem ler Agamben, o que nada lhe impede, Glauber tem o desprendimento de pôr a História em diálogo com a vida, pulso latente e não coleção de curiosidades...Tanto fala-se em interdisciplinaridade e a dona História, senhora de si, metodologia ambulante, aceita o dialogo contanto que a outra parte seja...instrumento. Glauber, antecipando Agamben, profana, coloca em praça pública aquilo que a História tem de mais rico: a relação entre os homens e o tempo.
Destemporalizada, realidade transcendente e imanente ao mesmo tempo, a História é colocada como espécie de estância, zona de inapreensibilidade que salvaguarda possibilidades de mudanças sociais impossíveis. Nessa História tudo pode.Neg'antão é rei. Nessa História a poética é como a praça: do céu como o condor. A força das idéias assume o condão de espada de São Jorge e varre maldades e latifúndios.
Nessa História o povo é o mito-nosso-de-cada-dia.

18.9.08

Poucos homens, geralmente os errados, experienciam o limite. Os certos estão certos de muita coisa e param antes. Uma experiência-limite é a resposta que encontra o homem quando decidiu se pôr radicalmente em questão. Essa decisão exprime o não deter-se em consolações, verdadezinhas e nem resultados de ação- um tiro(!)- Uma paixão do pensamento, e sentimento negativo, propaga Blanchot...
Essa negatividade não tem nada de cético; é o contentamento pelo descontentamento constante, o fiozinho que conduz até o fim suas negações. Acontece que a negatividade não se esgota em ações: mais extremo que chegar ao absoluto é a paixão negativa, que ainda introduz a questão que lhe suspende, diante da reaização do todo, capaz de manter a contestação que dá novo impulso ao infinito. Eis o abrir-mas-não-fechar do quase enigma rosiano: perguntando, o que se tem são maiores perguntas...Eis Antonio das Mortes, que nega fogo ao coronel e ao delegado porque já sabe quem são os inimigos; o limite da certeza de aceitar não saber, contraposto ao simples procurar e saber nunca de fato achar....
A experiência-limite é a do homem capaz de nunca se deter em uma suficiência: o desejo dos sem desejo, a falta onde consuma-se o ser, a vida no Das Mortes... Experimentar o fio que vai poindo limites é sentir tudo que está fora, quando o tudo excluiu todo exterior daquilo que falta alcançar. Quando tudo está alcançado( uma terrinha pra morrer em paz) é o que falta conhecer. Quando tudo é conhecido, tem se diante o próprio inacessível, des-conhecido.
Das Mortes talvez seja a parte humana pertencente a uma falta essencial de onde lhe vem o direito de colocar-se a si mesmo sempre em questão; já sei quem são meus inimigos...mas isso não basta. O saber é abertura, não claustro: não fecha.
Nesse interior, onde se experimenta dias incontados, a grande capacidade de morrer do homem, aquela que Darcy aponta como arma do indígena insatisfeito, faz do homem produtor no mundo: sobra-lhe uma parte de morrer que não pode investir na atividade, mas se chega a pressentir esse excesso de nada, vazio inútil, então a resposta é para outra exigência: não mais produzir( mortes??), e sim desprender, fracassar, falar em vão, o ócio do porre ao meio-dia...
Antonio das Mortes é vida em questão: um não que sabe-se não, condenado a buscar pelos sims um jeito de dizer não: todas as estradas, todos os ônibus, caronas, armazens e porres dão em algum lugar; qual dá em nenhum?
As vidas de Antônio e as mortes de Glauber

Ali onde eu chorei qualquer um chorava....O choque brutal de ver dois homens, sertanejos, esconjurados das profundezas da desvida e da desmorte, consubstanciados desolados estrangeiros diante de carros, onibus, estradas que abrem um abismo na presença errante da cada um. Para muitos, isto dá uma idéia das coisas. Idéia que se faz com razão-e-visão: críticas de arte, criticos de arte tentam contextualizar o mito. O mito para eles é Glauber, ao qual devem digníssimas reverências. Para Glauber, é possível que o mito fosse os confins da história sem-tempo em que nos enfiamos gingas e lágrimas adentro. a História não transforma-se em mito. Não porque as amarras externas do " quando descobriram o Brasil". Mas o mito, presencial naquele que não espera do tempo a falta constante de tempo, este é que pode ser História, povo, sangue e tempo. Tempo colado na retina que só é e não brinca de estéticas, analogias e nem alegorias: Ao mesmo tempo em que mata o cangaçeiro, Antonio das Mortes sabe-se igual em des-graças. Pelas mortes feitas, é que trata com Deus. Contra-dição? E o que diz a santa que pela boca de Antonio aceita estar próxima? É no pecado a chance de se salvar...É no Brasil a chance de Negantão deixar de ser lombo, para erguer-se príncipe Zulu. É no Brasil o professor-em-transe que tem força nas idéias e neblina nos punhos, sabido que Lampião vale mais que todo Império. É no Brasil que o homem errôneo percebe que sempre esteve do outro lado e aceita a condenação de não ter a vida que todos tem, esta de onde falo.
Também é no Brasil que gênios não são desvalorizados por simples questão de gosto, opção. Ao contrário: não dizem aos filhos de Narciso aquilo que lhes sequestra o paladar. Nossos mitos estão nas ruas, entre caminhões, avenidas e com a proteção de todos os santos. Mas os mitos deles, o mito feito Gláuber, o mito feito Rosa, estes são saudosos do desvalor: ininteligíveis!
Antônio das Mortes e professor ainda buscam nas ruas o que procurar. Estejamos com eles.

10.9.08

Caminhando tranquilo pela noite melancólica que calava o turbilhão já mudo da rua feita de comércios, apresentou-se aquela cena irreparável. Eu, que optei por voltar para casa a pé para com o troco da passagem fazer um lanche,des- lanchei.

Eis que vi um rapaz agachado, mexendo num saco de lixo e, naturalmente, fazendo dele sua talvez única refeição do dia. A primeira porção fez-me incrédulo. A segunda trouxe espanto, raiva e ojeriza. A terceira vez, mãos levadas à boca, levaram -me a não ser mais eu. Senti meu lache ser a janta dele. Se somos biológicamente idênticos, por que o absurdo? Por que eu não mais conseguia comer tranquilo meu lanche e o jovem, naturalmente remexia o lixo, levando tragédias achadas à boca?

Enquanto uns comem para viver, outros o fazem para não morrer...Como aceitar essa fratura em nosso mundo? Como concordar indiferente que a terra, mãe, viva, deusa de muitos, ofereça suas dádivas em fartura e isso se torne fratura? Ali, naquele instante de terror para mim e de absurda normalidade para o rapaz, não havia a desculpa de num dar dinheiro pela justificativa da possível cachaça. também não havia o não dividir proque vicia a pedir...O que havia era apenas o abismo irreconciliável entre eu e ele. Ou melhor, o abismo em que, de formas diferentes, sim, eu e ele estavamos e estamos ainda enfiados: Ou posso ser digno de sono e sonhos quando não tenho casa e estou animalizado? Agora sou ele. O rapaz. Nós irmanados em des-graça. Mas será que um dia ele será eu?

8.9.08

" Concerto em sol que não se põe"

Estudo a cada dia o sonho que de noite parece possível ser vivido na manhã seguinte. O poeta dorme-trabalhando, diriam os objetivos. Mas eu sou nós: A Universidade de dentro pra fora plange experiências. No germe cinza brotam novidades. A Ciência determina corações modelados. Ter ciência é bastante? Basta! É o que dirá Antônio naquilo que avermelha o tempo, despontuando o dia de hoje. Lembro bem de tudo agora de noite. Por isso sei: será de tardinha...

" Mar passivo que beira o precipício:
Terra quase a desabar.
Se cairmos morreremos?
Aquele que perder-se será o único a se salvar.
Guardo a fala e deixo o chão da Minha angústia cuidar"...

A questão não é o que seremos, mas quem. No cruz-e-espada de enfrentar a civilidade e garantias de estabilidade, a harmonia dos infernos tem a descoloração do Norte: claros, óbvios, imponentes como enviados dos deuses, pórém sujos; cheirando ao que não é, impondo o que não se pode pôr; O sonho de Colombo, roubado e o castigo do Paraízo-vazio: Todos saíram? Todos chegaram...

"No palácio de cristal compro o que vejo
mas não uso o que tenho.
Tenho o que não posso".

Nas ilhas de Fideu sentiu-se o Éden: revolução que não é pela força do outro, mas sim com a violência radical de lançar-se sonho-a-dentro; Não somos irracionais e sim sensíveis ao que o conhecimento não conheçe e por isso não limita. A Ciência disseca o divinar de um pássaro? Mede a envergadura de seu vôo? Científico é o incrédulo que mede sonhos para ter certeza de estar acordado. Acordemos; é isto que queremos?

Antônio: - Gritos loucos e estéreis pedem fora ao Tio SAm, mas esquecemos que a ascese começa por nós. Incorporamos negativamente o outro...sendo incorporados. Que a minha palavra não seja vã...

João: - A guerra faz-se tão clara que se esconde. Não há uniforme nem lado escolhido. Só o metal cuspido...e com classe? A arma : o meio com que o espírito é diluído. Nossa guerra...está na alma!! Como não comprar projetos? Como fazer-se na Epifania sem pecado onde poesia é um estado alegre e não o mal do século que já dura séculos?

O fazer-se, pôr no mundo, projeto de humano. Somos quando pedimos mais à terra do que tem o corpo a oferecer. Somos quando o corpo pulsa raíz e germina frutos. Ser humano é atravessar um tempo que sempre deixa de ser e deixar de ser tempo..
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Antônio: O que eu queria...o que eu quero... é que essa França Antártica de concreto não se acredite libertando da ignorância Atlântica o herege que não experimenta vida em tubo de ensaio. Se somos Caribe, também podemos sim ser canibe: devorar trevas e medos, regorgitando nos olhos o suporte para os anos a se extinguir; Estamos aqui e resistimos ao calor gelado da terra que poderia ter sido ainda agora de Araribóias...

João:
" Mar passivo que beira o precipício
reflita em seu espelho a imagem
dos que ainda são
Esconda no teu silêncio
A linguagem em ondas de sal e amor.
Em cada palavra salgada, o paraíso perdido arrancado do passado: Eles só lêem superfícies
seja maré-moto depois. Se cairmos, nadaremos.
Mar bravio visto amanhã,
onda-projétil
que espuma presentes,
não permita ao passado gerar o futuro
reflita apenas o sol que se pôs amanhã"...