22.3.10

A Solidão da Cruz (Por Leonardo Lusitano, amigo e poeta)

Certas vezes a dor dilacera ao ponto de o coração comprimir-se tanto que, diminuto, sobra muito corpo, sozinho, vago, distante da reunião de peito e olhar para fora. A dor comprime para dentro.
Mas é nesse movimento, aparentemente negativo, que a lágrima converte-se em sorriso.
A dor não comporta ruídos. Cabe apenas....silêncio. Não aquele que emudece; o silêncio como fala da escuta. Falar para dentro, como sabiamente fazem os mineiros que tem na boca o gosto pedregoso de sua terra.
Silenciosamente, Jesus- histórico e poético- escutou a dor da cruz. A cruz de quatro pontas, de quatro cantos que aponta para tudo: a realidade não possui beiradas, não há como fugir, escapar: quando tampamos os ouvidos afim de emudecer não é exatamente as batidas de nosso coração a única coisa possível de se ouvir?
Nada silencia mais a dor, o silêncio que cria trovões, do que a solidão da cruz. Nela, o filho, mesmo em seus momentos derradeiros, fez-se escuta:
Pai, porque me deixaste tão só?
Para os espíritos objetivistas, este pode ser um sinal de fraqueza, um pedido de ajuda. Mas pensando o não-pensado, não estaria o filho pedindo exatamente a solidão e o silêncio da cruz? Pois sua pergunta ainda ecoa sem resposta há mais de dois mil anos: Jesus não queria resposta. Fez-se, em sua dimensão humana, pergunta, se abriu á questão, onde importa perguntar, porque respostas fazem ruído. No silêncio da cruz, Jesus despiu-se da resposta. Perguntou e fez-se paradoxo. Múltiplo, desarticulado: homem e deus.
É perguntando, sem esperar respostas, que deixamos de ser apenas humanos, caídos na fraqueza da dúvida. Duvida quem espera resposta. Respostas fazem festa para encobrir silêncios.. E o silêncio da cruz, a solidão que questiona enquanto dor, me fez perguntar:
Quem sou eu se não for professor?
Quem sou eu se não for poeta?
Quem sou eu se não for triste?
Quem sou eu se não for sozinho?
Quem sou eu sem modelos de amor?
Quem sou eu sem o exacerbo da fala?
Quem sou eu...sem a subjetividade centrada no eu?
Descascando as tintas com que me pintaram, saio da resposta e volto para a questão: a loucura da cruz! É na solidão que experienciamos aprendizagens; todo homem é solidão e isso nos é comum. Sem resposta, resta apenas....a cruz. Assumindo-a, cessa o barulho de todas nossas máscaras e a última frase do Cristo talvez possa ser a nossa próxima. Não a final, mas a do meio:
Pai, porque me deixaste tão só?

10.3.10

Toda vez que amo, me sinto artista.
Toda vez que estou com meus amigos, sorrio artista.
Toda vez que vovó me fazia cafuné, eu era artista.

Quem me ensinou foi Chaplin: nos seis meses de greve da alfabetização, aprendi a ler na sua biografia, também repleta de figuras, magnéticas. Hoje agradeço pela escrita torta, pelas palavras vadias....um vagabundo! Se fosse formado, certamente não saberia que apenas os vagabundos vivem para o mundo...

Toda vez que vejo Chaplin, intuo viver arte. Intuo que fazer arte não é ter arcabouço teórico, erudição, técnicas mil nem nada disso...Quando vivemos questões ou quando elas nos vivem, a própria vida é arte. Errante, Chaplin caminha uma realidade onde nunca existem muros e sim somente o convite à estrada. Sorrindo...

Arte é vagabundear a vida. Sem função nem objetivos. Gastar o sapato e girar a bengala sorrindo: quando a dor te procurar. Agora posso dizer por aí que sou artista, pois ninguém poderá avaliar minha obra. NEm mesmo após a morte, pois a estrada não tem chegada alguma.

Mas, afinal, o que então somos? Arte ou artistas?

Se o mundo for feito de encantadores, o céu tem que desabar na Terra.
Se o mundo for feito de encantados, é a Terra que tem que desabar no céu.
Encantados e encantadores; arte e artistas; sorrimos caminhada nossa. De cada um.