23.8.08

Álbum do deslembrar ( um tempinho de nada):I-Aquela codaque cinza-e-preta que hoje já não é nunca me deixou esquecer...Que o futuro é apenas saudade do que ainda não foi...O mundo é aqui o que se vê de dentrode um carrinho vermelho e branco que não está fora de mimSei por minha avó que na clareza e doçura do possível Maio me faz ser um só:Sol flor boné amorCarinhoCarrinho

II-

A melhor coisa para lembrar é esquecer.
Quando só lembramos, ficam o passado,
O futuro e a gente no meio.
Esquecer é lembrar de atuar no atual.
Ser.
Para que lembrar se posso viver?

III-

Prevendo o por vir, choro pirracento
Uma dorzinha-de-mundo:
Mas o mundinho era pequenino
Coube numa colher. Com ela colhi:
Sofá
Vovó
Cosquinha
Xarope e sorriso

IV-

Um instantâneo é um instante sem antes nem depois. Passa rápido?
Sou eterno num instante

V-

As fotos não sabem: Sou um só. Mas queria ser só um

VI-

Criança, quis ser adulto. Adulto, quis ser criança.
Decidi então ser os dois.
Mas e os dois: O que decidiram?

VII-

Na meninice olhei uma foto que sabia ser de um aniversário.
- Mamãe, quem é o idiota com o dedo no meu bolo?
- Ué; é você!
Hoje pergunto ao espelho quem é o idiota que faz a pergunta.
E o espelho responde ao idiota:
É a pergunta que te faz

VIII-

A luz de uma manhã que houve-mas-não-houve
Ouve minha súplica cósmica:
Hoje ela é

XIX-

Vovô não teve. Vovô não existiu
Por isso lembro tanto dele

X-

Papai não

XI-

Tia Mimi me ensinou a comer alface cenoura e beterraba
Fiquei forte para suportar poemas

XII-

Fotos me lembram de esquecer

XIII-

Hoje brinquei com meus primos. Sinto saudade de hoje


XIV-

Vovó estendeu o sol na varanda
E secou o pingo azul triste do meu olho

XV-

Com o sol na bolsa, fomos ao parque e à praia
Carol peneirou areia e não reteve nenhum grão
Eu peneirei meus dias e só contive um grão-de-hoje:
Não pude conter que ele explodisse agora cedinho
Desde aquela manhã de 1985: cada grão é infinito

XVI-

Fechei sem querer a porta na cara de Carol
Quantas portas fecharam sem querer minha cara?
Quantas caras fecharam sem querer minhas portas

XVII-

Minha infância abre portas que deságuam esquinas

XVIII-

A felicidade é o pertinho dobrando:
Em toda esquina tem uma esquina

XIX-

Em toda esquina que tem esquina também tem você.
Uma esquina é um mundo: eu cheio de curvas

XX-

Tentaram consertar a esquina.
Só se conserta concertando

XXI-

A música deixou aberto meu dia:
Não alcanço as balas de côco quentes na pia
Mas Vovó e Elis salivam meus ouvidos em romaria




Escola-de-vento:

I- ( antes da aula)

Jogo meu peão sonoro que gira desde agora até anteontem de manhãzinha

II-

Levo tempos em meu bolso. Na escola jogo bafo com Jorginho e Fábio: cada bafo é um dia dando piruetas

III-

O dia de hoje caiu ao contrário

IV- ( aula)

Na foto oficial todos os alunos de uniforme; menos eu
E quem disse que o passado não conhece o futuro?

V-

Na alfabetização arrastam caixas pelo corredor
O homem pontual no barulho que sei todo dia
Entrega leite e maçã pros alunos
Meus amigos mordem maças e eu palavrinhas

VI-( saída)

Vovó não chega. Vovó não vem?!
Concentro o mundo então num pirolito

Outro dia qualquer:

VII- ( antes da aula)

Bati no menino que tenho medo. Agora tenho medo de minha coragem

VIII- ( não aula)

Esperamos em estado de carteira a tia chegar
A tia não veio
O quadro-negro continua verde

XIX- ( recreio da não-aula)

Descansamos felizes do que não foi
É preciso então cansar-se
Mas não canso de ser: o pátio e seus cantos
Cada canto, um conto
Na bola sou Zico; Jorge é Bebeto

X- ( saída)

Vovó me buscou e disse: -Amanhã tem greve e depois também: Então voltaremos ontem meu filho

XI-

Em casa de papo-pro-ar foi que vi pela primeira vez
Na janela agora em minha infância
Uma palavra sem roupa!
Desnuda, vi suas consoantes e vogais
E outra palavra entrando no quarto
Com o travessão como mastro:
Mesmo pequenino eu já sabia
Que iam fazer sílaba...
Vi de noite os três reis magos concertando estrelas tocando no menino
E abrindo mar:
Rosa
Manoel
Elomar
Des- pontuação:

Vírgulas são cascas-de-banana: palavras podem escorregar...
Plano Colômbia







" Imponente em seu cavalo, transformando os deuses solares das geladas terras do norte em realmente homens simples na pestilencia e barba-por-fazer, o Guaikurú não sabia o que fazia. Não precisava saber, porque razão serve para explicar e quando há beleza cósmica na guerra, na antropofagia rejeitando covardia, não existe erro e sim dualidades que fazem com que o homem tenha forças para suportar a abóbada-celeste( redonda ou quadrada) nas costas. Duas metades? Dois inteiros. Contradição é coisa de quem quer ser. Aquele que é, sabe-sente que já é tarde para ser cedo, mas ainda não é tarde para ser tarde. Quem está fora inveja o paraíso e extende as mãos esperando pérolas. Aqui dentro os ponteiros gotejam. Lá fora o alarme organiza a fila dos desempregados. Não estou dentro, nem fora. Não estou: sou. A frente, um mundo de morros com verdes colados nas retinas de um povo que não se envergonha das rezas e dos terços, da certeza de quem coloca a vida pra dentro.

Atrás, não se sabe nada das chuvas. Não estamos dentro nem fora. Repito então pela primeira vez o que sempre foi: somos.
O menino que virou árvore


Numa tarde bonita de céu azul esfiapando algodão-doce, o sol preguiçoso mostrava-se só pela metade. Talvez por isso, por não ter tanta luz amarela, é que tenha acontecido aquela coisa meio folha, fruto e tronco que houve nessa noite que de tão cedo era ainda a tarde da manhã...
Manoelzinho era um menino esquisito: gostava de animar coisas que pareciam não ter vida. Se juntava dois gravetos, já eram bonequinhos. Do mesmo jeito era sua amiga-irmãzinha de sempre: Júlia. Sempre soube que as coisas num eram só coisas...

Um dia, ela decidiu se perguntar: - O que é o muro? E foi aí que ela chamou correndo o pequeno Manoel: - Manoelzinho! Manoelzinho! Vem cá! – Que foooi, Júlia? Num vê que tô brincando de ser formiga? – Não, Manoelzinho: isso é sério demais; tem coisa que é mais brincadeira, sabe?? E lá foi Manoelzinho, formiga fininha de barro, ver o que queria sua amiga-irmã. Mas não sem antes reclamar: -Ah, vai amolar o boi!

Chegando perto de Júlia, Manoelzinho olhou ela dizer com a boca: - Estou falando com os ouvidos! – Ué, cume qui pode isso, Manoel quis saber, ansioso que nem gato vendo caixa chegar em casa. –Ah, Manoel...é só escutar com a boca também, ora que pergunta mais bocó!? Manoelzinho achou que Júlia estava doida, ainda mais quando ela colocou mesmo a boca no muro e falou com os cabelos: - Escuta, Manoelzinho: tá escutando? – O que, irmã? O muro está mudo; num tem ninguém falando nada!!! E Júlia, já professorinha das coisas, respondeu: - Pois é, Manoelzinho: e o mais estranho é que está assim a horas...

Foi nesse dia que Manoelzinho entendeu que coisas também são gente e gente também são coisas. E era só pensar que tudo mudava! –Olha um muro brincando, Júlia! E assim eles foram refazendo as coisas dum jeito bem engraçado; - Ih, Manoel, sua tia gordona virou lápis! Ué, mas se ela é gordona, como é lápis? Num era pra ser...hum, deixa eu ver...biscoito fandangos ou bolinha de pingue-pongue? Júlia devolveu logo a bolinha: - Ora, bolas: É que tudo que é também não é. Olha o muro: só é mudo pra quem ouve com os ouvidos. E foi aí que Manoelzinho plantou uma idéia: -Aaahmm, entendi! Então quer dizer que posso ser árvore e essa estorinha terminar verde?
O ano é 2008. O planeta ainda Terra. És o mais bonito dos planetas! Mesmo não conhecendo outros a gente sabe, porque reúnes verdade e mundo em seus pedaços fatigados. A Terra é mãe porque acaricia quem pune: oferece céu, mar, terra boa e frutos pro filho que hoje acha ter um pai mais rico: Sou americano,sou americano! De onde, meu filho??

Até na roça a gente perde a carroça; o sertanejo mastiga palha e o cowboy atira-feio: bang! Mudamos de colonizador tomando anestesia em sala de cinema. SE voc~e quer ser o cowboy, no jogo deles somos o bandido ou no máximo o xerife que toma conta de sacos balofos de grana alheia. Na roça somos a carroça: caminho de poeira que não tem volta, pois o vento apaga pegadas deixadas e os pés criam as novas em cada passo. A estrada não é começo e nem fim: estrada é o meio, o entre que dá-se hoje. Mas p’ra onde?

O diabo agindo potente, engravatadão e ditando leis que ninguém leu, mas segue: Cada um no seu quadrado,não se mova, eu sou a lei; mãos ao alto, isto é um assalto. Que é nós já sabemos: resta saber: O diabo é mocinho e bandido? Enquanto a gente nem culpa mais tem pra ter. O sertão e seus perigos....Deus se vier que venha armado. E bala é só um pedacinhozinho de metal... o diabo de hoje não faz, mas desfaz: O que fazemos juntos, além de pensar que estamos juntos e querer estarmos juntos? O diabo não mede forças; é gastura. Mas Deus sabe esperar; age no denoite. No quase ontem que quando você olha por janela já sabe que será um bonito amanhã. Estejamos com ele. E também conosco...