30.10.07

Pensar-Sentir

Pensar; palavra contorcida. O esforço em captar algo que as estrelas teimam em esconder e o ar apenas sugere. O pensar para captar, seguido do sentimento, assim pensado feito consciência; verbo re-torcido. São seis horas na cidade pequena. Cidade que é-mas-não-é. Horas que somadas levam ao céu: Angelus. Após a pausa sacramental, que vai além do ritual romano, chegando na missa dos quilombos, palavra negra, convertida, porém e por-isso rica em diversidades de estórias e tragédias, caminho pela rua estreita. Vou na contra-mão do caminho que sempre faço, talvez para ter mesmo dois pensares; o da palavra contorcida e o pós momento disso, a retorção: distorção. Pois distorçer, não se iluda, é sempre um certo contar. Cada um conta de seu canto. Um conto. É isso que trago; palavra des-torcida. Primeiro feita difícil pra depois ter a face exposta. Ou seria primeiro a enganação do óbvio, para depois a coisa ser em verdade mais de uma? Contorço depois des-torço; com calma melhor então melhor explico...

Língua. Minha língua não cabe em minha boca. Poderia falar sobre a dinâmica de uma grande cidade. Seus processos, suas loucuras. Edgard Allan Poe dos dias de agora, estéril em meio à multidão. Mas...não. Não quero aprender a mecânica que faz a roda girar, nem a soltura de parafusos; quero o que vem antes do homem-teórico que fala sobre tudo que vem antes no tempo, mas depois dele saber disso. Falar COM é o que se há por tentar. Tocar a campainha do pensar e do agir. Quem fala: é o homem, ou a linguagem? Minha língua; já não cabe em minha boca. Pois a fala é a escuta de quem fala COM. Nestas linhas, falo com o que antecede o sobre; falo tendo comigo a essência do agir. Hoje, o essencial tocou meus atos através de um olhar: Eu vi, o menino. E tenho certeza. O que são certezas senão ser, essencialmente com acerto? Não tenho dúvidas; o menino está logo ali.

Quase não o vejo. Quase passo por ele com a indiferença de quem gravita entre ter dó ou ignorar; melhor não pensar? O menino; estava ali, fato consumado para mim. Por um instante quase não enxergo. Ou a partir daquele instante não enxergo? O fato consumou-se consumindo-me. No antes-momento daquilo, o dito cujo garoto murmurou algo, talvez tão alto que foi inaudível. O senhor apressado buzinando e nem a dona-de-casa, do alto do cosmos de seu lar sabem, mas estão cheias do tudo as ausências. Pode uma vozinha fio de som cegar alguém? Heim? Quer dizer então que a voz mudou os olhos...O menino. Coisa tão absurda que repito esta novidade até agora. Pediu moedas para comprar o que faltava: já tinha o pão, faltava um litro de leite. Teria naquele instante fome? Desrespeito o garoto ao parar para questionar isso junto a quem lê estas linhas,enquanto ele pode estar faminto? Quase um parágrafo de perguntas. Mas questões não tem respostas. Tem é a pergunta que se faz e refaz.

Pergunta é um tipo de caminho entre noites que se faz. Por que? Não me pergunte. Só sei seguir; rastrear o pensamento até que derrape e sinta. Fome? A fome é o que não passa. O que termina são certas vontades de comer. O menino me cegou de fome. De vida. De pensar-sentir. E tudo por um pedido que quase não ouvi. Fome violenta que irrompe corpo adentro. Não o espírito da barriga. Mas a vontade de comer vida. Tenho paixões? Arroubos de cólera? A pergunta se pergunta sozinha? Fome de amor; amor é mesmo no a dois de cada um. Porque o amor indivíduo em si que sai por aí pedindo para ser amor, não é. Amor que quer amar? Se não é o amar ao outro, pode ser amar só, a si? No raso das coisas, no esperar o sinal verde para fazer a travessia da avenida, sim. Mas o chegar ao outro lado, o saber onde vai é via de mão-dupla. Amor que vai e volta ainda ao ir: gostar é uma forma de morrer depois: no pôr-do-sol dos dias. Ser um a mais para o outro; ter dois tempos que movem-se dentro de si. Isso aprendi com o menino. Amor. Amores; amigo, irmão, mulher esperada. fome de vida e de amor. Aprendi que sua fome ele nem sabe de onde veio, mas estava ali, na justa hora de me cegar e fazer pensar um sentimento. Senti-me vazio. Ôco das coisas. Porque o menino sintetiza a miséria humana. Turbilhão estéril que gira em bolsos capitalistas quaisquer que sejam por aí, sem perder a inocência de quem pede porque acredita que vai receber. Esperar de alguém num é lá um amar- a possibilidade e os homens?

Pensar, palavra contorcida após torcer. Pão e leite que conheço muito bem desde os copos em menino justo agora anoiteceram meu dia. Moeda alguma pude ali naquele instante escorregadio oferecer. O menino, infelizmente, só pensei nele foi depois.

17.10.07

Peguei a sentir. Logo agora que queria apenas a calma matinal com cheiro de pão saindo do forno, peguei a sentir. Turbilhão louco, roleta que gira tão rápido e nem dá pra ver bem o que escolher, em que apostar, onde vai parar. Coisas advindas. Adivinho sem pensar muito aquilo que sinto. Sentir não é escolher. Sentir é pegar. E peguei a sentir. O mergulho na angústia que margeia a alegria louca e (i)rreal, o olhar para cada coisa com olhos transplantados. Tenho novos olhos, ou novo coração?Novos dias.

14.10.07

Alvorada


Um acerto de contas com o relógio. Foi isso que tive. Mas se ele não girou, tenho. Antes de ter, tinha já tudo para ser mangueirense: a proximidade espacial, pela escola quase ao lado, sem contar a rubronegriçe quase similar. Os quases e o ser. Lá estou eu. Ou melhor, aqui estou: pois se meu tempo é quando, se os ponteiros pulsam no peito fazendo o de-fora ser ôco, lá ainda estou: aqui. Estação Primeira de Mangueira; parada obrigatória para sentir...

Impressiona a palavra reificada pelo oral. Sambas em disputas como crinaças pedindo pra nascer. O poder da fala; podem as músicas mesmo ainda em dúvida se são, serão ou tentarão novamente, chegar em minutos na boca das gentes? Poucos lêem, muitos ouvem, todos cantam. Mas a disputa tem limite-ilimitado. Há sempre algoque dá sentido à coisa: ritual coletivo, espécie de missa do morro. O tema é o frevo, mas o que dá unidade, fazendo com que todos disputem a mesma coisa é como um credo com três partes:- nariz, óculos e...Cartola: vida que criou arte. " Cartola não existiu: foi um sonho que a gente teve", disse Nelson Sargento. Surto coletivo? catarse?

A mímesis dos gregos e o exemplo do que sere ou não ser. O samba alucinado, papel prateado que cai do alto e te atinge em cheio se desistir de erguer as mãos ao nada musical, volume máximo da surdez; foi ele, papel, que me fez sentir-pensar: No prelúdio de um dia picado com flor e lodo, alvorada de gente na rua meio-bamba, sorri e canta o velho Angenor. O samba e a vida. Quem imita quem? Se Cartola não existiu, discussão também não há: lá, para quem não sente, ou aqui, para mim, Cartola ainda é. Eis a Questão...

8.10.07

" Contra-Bando"

América de Colombo:
calombo dourado
sulco encravado
nas deias del rei.
A prata de Potosí
brilha mas não sabe
que ouvi e senti;

Rio, de janeiro,
correnteza de
pau-e-pedra,
centro lateral,
litoral, do meio
de um mundo:
Bolívar nas Gerais?

América de prata;
calombo de Colombo
sangue
sonho
trono
contrabando de idéias
contra o bando
que não sente.

7.10.07

Sei que nada será como antes amanhã; pq o pé na estrada faz ver o caminho e não a chegada; começo de um ontem por vir. Sei que nada será como antes amanhã porque depois de amanhã vou morrer. Mas viver não mata; o que mata são mortes mal-morridas..

1.10.07

Malandragem


Sou malandro,
de pés ligeiros,
sou bamba.
Mas na vida,
poética
dolorida
onde a gente samba,
sei que dos trabalhos do amor
não se corre,
porque viver é muito sério;
um belo dia se morre...
A flor e o lodo

Do lodo surge a flor
Da tristeza o amor;
Elegia transmutada
Em alvorada.

Dizem que no morro
O samba é um lamento.
Escuto então atento
A voz que vem lá de cima
Dizer;

A fineza do poeta
Faz do alto e do asfalto
Um mesmo amanhecer.