20.12.10

Dentre as questões que se apresentam ao homem, talvez a mais ambígua seja a finitude.Como não se alegrar com um tempo finito, onde buscamos menos que realizar coisas, imprimir um sentido à vida, que nos possibilite a sublime consumação de um dia, como naquele samba, virar constelação?

Ao mesmo tempo, tempinho, tempão,como não sentir dor ao saber que não só o que fere, mas também a alegria, o sorriso, o peito explodindo plenipotências, tem um dia seu para acabar? Lembro do filósofo que lembra dos estóicos; estes buscavam uma certa frieza: menos felicidade para ter menos dor. Acho que até entendo o porque disso;quando amamos muito, também sentimos a punhalada exata de que toda a leveza vai acabar. E isso é um fardo.

Antecedente a isso, penso por mim mesmo que a leveza da vida também deve consistir em não ser eterno. Idade só tem é o mundo. A natureza. Homem é capim que seca, estala e rebrota. O peso de sempre subir com a pedra que rolou do barranco? Em mim não.

Parece que agora o texto ( a vida?) chegou numa emboscada. Ou isto ou aquilo? Isto. Sempre isto; escolher um dos lados é coisa de quem quer ganhar. Como quero apenas viver o meu tempo, me faço múltiplo. Como os colossos do esporte que nadam, remam, boxam, se hipertrofiam de glórias....rumo à morte!

Como temos sempre que decidir lutar, já escolhi minha categoria: peso-pena.

18.9.10

Belíssimo o Amadeus, de Milus Forman!

O filme narra como a obra opera em Wolfgang Amadeus Mozart e não como o autor explica a arte, ou como se costuma fazer, como a sociedade explica a arte....
Na sociologia de Norbert Elias Mozart depende materialmente das cortes austríacas e isso tem o peso de destruí-lo enquanto indivíduo. Sua música seria então produto de seu tempo: a sociedade cortesã do século XVIII e todo seu constrole.

Ocorre que a música em específico e arte, em geral, não são tributárias de tempos contados em espaços já estabelecidos. Música é o que instaura tempo e espaço, suspendendo-os sonoramente! Quantas notas cabem no tempo? Infinitas! Quantos tempos cabem nas notas? Todos possíveis imagináveis e ainda por serem criados...

É rompendo essa dicotomia que Forman sinfoniza uma bela obra, onde o drama de Mozart mais do que ser refém da sociedade de cortes é exatamente ele se colocar de forma anacrônica, atemporal, diante da relação com a Igreja, com o mecenato, com o Imperador...Mozart vivia em outra instância: como na cena onde seu pai e sua esposa discutem e ele simplesmente se fecha no quarto. Surge, miraculosamente aos nossos ouvidos a música que lhe sobrevém. É este seu tempo espaço: outra instãncia, a poética...

O jeito que vemos a composição das peças não tem centro algum no homem, no sujeito, e sim na música...Não há texto, fala...O que impera é a música: partituras perfeitas, sem cópia e escritas de uma vez só, sem correção. Pode o homem sozinho isso tudo? Gênio, menos do que quem dá é aquele que muito recebe...

É o inverso da cegueira de Salieri, que na película quer o dom de Mozart pra si e ao força-lo a compor rapidamente o Requiém, acaba por matá-lo: espécie subjetivada de Édipo que fura...os ouvidos!

Por isso, recomendo muito " Amadeus"!!

17.9.10

Gira-mundo


I-

De uma roda, de algo que gira, o centro é sempre estático, embora em movimento...Penso em carros de boi, rodando mundo-à-fora, com a roda que gira o carro e o carro que roda o mundo. Mas como pode algo igual estar, no tempo, diferente? Contradição? Paradoxos. É deles que se exprime o que ainda não foi dito. E o que eu ainda nunca disse é que acontece em mim sempre algo igual, mas que retorna diferente. Sempre outro mesmo: Sei como sei pelos olhos dela. E não é isso o amor?

II-

Talvez. Vivaldo estava cansado de ser um só. Queria era ser só um. Todos os dias, via nos olhos da mulher o reflexo de si; nos dois olhos. Uma dobra? - Se me vejo dois e sou um só, não posso estar inteiro e sim partido.É ela. Toda vez que me vejo naquela luminescência, reparto-me em constelações de eus...Quantos eus existem? existe um?

III-

Belo dia, Vivaldo deixou da coisa de partir e ficou: todo. A exultação de ser ele. De ele todo ser bonito. Adjetivou-se demais. Agora não reconheciam sua beleza. Era sujeito indeterminado. Pela primeira vez achou que amava mesmo aquela e chamou-lhe até de amor. O próprio amor?! E amor é coisa chegável que se tenha só para si?

IV-

A estória pode parecer curta. Mas não são os atos que nos fazem. Somos orquestradamente feitos da matéria invisível que compõe o molde de nossos atos. E depois desmolda. Atuar é sempre começar algo. Mas Vivaldo queria viver e pensava que isso fosse começar alguma coisa, e que talvez essa coisa fosse o amor; todo aquele seu. Inteiro ou metade? Na perda de dúvidas, amou. Amou tanto, que por amar até o amor, odiou: queria nos olhos dela, amar como a si mesmo.Queria que o espelho se voltasse contra ele sem quebrar. Odiou aqueles olhos...Agora de tempestade!

V-

O amor no meio e o ódio rodando. Mas o igual sempre volta diferente. Daquele ódio pela diferença, quis amar o que via nela de igual, mas não pode mais: já também se odiava. E foi o ódio que sentiu de tudo que se repetia nas veias e nos olhos dela que recobrou, no fim, o meio da roda: amou o que retornava novo, em frescores. Cores re-novadas. Vivaldo ali dançou, cantou, fez de qualquer espaço seu lugar; pediu até ao sol que botasse seu chapéu de festa e mais o alumiasse...Até a manhã seguinte. Mal sabia que era o começo do fim. Conto curto porque a vida corta forte: Vivaldo acabou foi começando...Pois do ódio renasceu um amor,que sentido sem razão, foi assim...musicando seu fim.

19.5.10

Encanta-dor

Na noite daquele dia que quase não há tudo corria bem. Era minha noite de apenas coordenar o pré-vestibular comunitário. Então, adjutorava o professor de Português. Aula não dava. E nem poderia. Só não sabia ainda era o motivo ou o des-motivo disso.

A energia dos alunos é gostosa: sentir um futuro grávido de sonhos abre o presente.

Mas nem sempre é assim. Muitos, a maioria, quer é saber o que vai sr quando crescer, e não quem. Um chamado João Heraclitino desenha diplomas na carteira escolar durante a aula de cálculo. Realmente, é este um sonho bem funcional. Mas existe aí uma força de rio que corre silencioso subterraneamente; é um sonho. E sonho não tem função. Não somos nós que sonhamos: somos é sonhados. Trata-se de um existir real, solto das formas? Pode? Sonhar é prender um peixe no vento. E soltar um menino em seus diplomas...O sonho sonha o menino.Quem se prende no diploma sai de entrar em si.

O fato- que é feito de vento- é que na noite desse dia tudo corria bem. Mas já desde a tardinha algo deformava oculto. Alguns alunos, no penoso dever de dar conta de toda a matéria, juntaram-se num grupo: monitorias. João Heraclitino ralhava consigo: - meu diploma. Minha carreira para fazer a vida, pensava com o corpo inteiro. Apenas os olhos se desviavam disso, tentando copiar o por-fazer.

E foi quando alguém-que-não-sei-quem chegou na porta do curso para doar livros. Enormidade de folhas, capas-duras e colorido algum. Mas os alunos esqueceram de perguntar qual o conteúdo a ser doado e o material se desviou. Esquivou-se já desimportante, pois o dono decidiu depositar tudo numa rua escura dos arrabaldes.

Já era o horário do intervalo. Juntos foram todos à padaria, como era costumeiro. Comuns, comum-unitários: comunitários das coisas, iam desfiando acelerada prosa quando aconteceu. Meus alunos, agora algum ganharia os braços e pernas do mundo e nunca mais seria o meu, encontraram pilhas de livros lançados numa calçada escura, no ermo do coração de São Francisco, bairro de nome humildezinho; pois foi Francisco homem alheio a coisas com formato pré-pronto e que ao invés de juntar apartam. Um por um, foram se felicitando, descobrindo livros de cálculo e de administração. Porém algo naquelas pilhas desabou e João Heraclitino desconheceu-se.

Empolgados, os alunos levaram para o curso dezenas de livros. Exauriram braços, pernas, lombares...Quando tudo já era achado e desimportante e sobrava quase nada, quase o nada, foi que João Heráclito chegou lá. Fuxicou os restantes e encontrou Pessoa. Quando tudo já era perdido e desimportante, João Heráclito achou Drummond e Rosa. Naquela pilha de xepas, eles só podiam ser inúteis. Ao retornar, João me disse decepcionado: -Eles não tem utilidade..De súbito, devolvi: - Mas João; é este o seu encanto. DEpois dali não tive mais o que ensinar. Se o mundo fosse feito apenas de encantados, a terra desabava no céu.
Fosse ele feito apenas de encantadores, seria o céu quem desbava na terra. Mas se o céu desabasse na terra, a terra também precisaria desabar no céu: Encantador ou encantado? Agora João é encanta-dor. Transpassar o que sangra, mas também é encantado: pois foi o sonho que sonhou o peixe solto no vento, descobrindo o mar. Água da palavra.

Acho que foi assim que aprendi a ensinar o que é inútil.

15.4.10

Gostar é nem lembrar do futuro:
pois toda saudade
é uma certa-errada velhice.
Poema do amigo de caminhada Lori Paz:


Hoje eu me canso de buscar
Dentro da noite
O sono que já me aperta as pálpebras
Sem me dar o merecido descanso

Um pena pros que já não sonham
È ver a noite igual ao dia
E não ver no dia
O que na noite se mostra

Perdido, insone – noturno labirinto;
Já não sente o peso da carne
Maldiz tudo que não faz silêncio.
E nada quer dizer

Uma pena, pros que não sonham
É uma triste alvorada sem paz
Pensar em não dizer nada
Muito menos o que quer ser ouvido

Para os que não sonham,
O dia é lento e sem tempo;
A noite é alva
A boca é seca e o peito duro

Muito azar e muita dor
Aos que não sonham.

22.3.10

A Solidão da Cruz (Por Leonardo Lusitano, amigo e poeta)

Certas vezes a dor dilacera ao ponto de o coração comprimir-se tanto que, diminuto, sobra muito corpo, sozinho, vago, distante da reunião de peito e olhar para fora. A dor comprime para dentro.
Mas é nesse movimento, aparentemente negativo, que a lágrima converte-se em sorriso.
A dor não comporta ruídos. Cabe apenas....silêncio. Não aquele que emudece; o silêncio como fala da escuta. Falar para dentro, como sabiamente fazem os mineiros que tem na boca o gosto pedregoso de sua terra.
Silenciosamente, Jesus- histórico e poético- escutou a dor da cruz. A cruz de quatro pontas, de quatro cantos que aponta para tudo: a realidade não possui beiradas, não há como fugir, escapar: quando tampamos os ouvidos afim de emudecer não é exatamente as batidas de nosso coração a única coisa possível de se ouvir?
Nada silencia mais a dor, o silêncio que cria trovões, do que a solidão da cruz. Nela, o filho, mesmo em seus momentos derradeiros, fez-se escuta:
Pai, porque me deixaste tão só?
Para os espíritos objetivistas, este pode ser um sinal de fraqueza, um pedido de ajuda. Mas pensando o não-pensado, não estaria o filho pedindo exatamente a solidão e o silêncio da cruz? Pois sua pergunta ainda ecoa sem resposta há mais de dois mil anos: Jesus não queria resposta. Fez-se, em sua dimensão humana, pergunta, se abriu á questão, onde importa perguntar, porque respostas fazem ruído. No silêncio da cruz, Jesus despiu-se da resposta. Perguntou e fez-se paradoxo. Múltiplo, desarticulado: homem e deus.
É perguntando, sem esperar respostas, que deixamos de ser apenas humanos, caídos na fraqueza da dúvida. Duvida quem espera resposta. Respostas fazem festa para encobrir silêncios.. E o silêncio da cruz, a solidão que questiona enquanto dor, me fez perguntar:
Quem sou eu se não for professor?
Quem sou eu se não for poeta?
Quem sou eu se não for triste?
Quem sou eu se não for sozinho?
Quem sou eu sem modelos de amor?
Quem sou eu sem o exacerbo da fala?
Quem sou eu...sem a subjetividade centrada no eu?
Descascando as tintas com que me pintaram, saio da resposta e volto para a questão: a loucura da cruz! É na solidão que experienciamos aprendizagens; todo homem é solidão e isso nos é comum. Sem resposta, resta apenas....a cruz. Assumindo-a, cessa o barulho de todas nossas máscaras e a última frase do Cristo talvez possa ser a nossa próxima. Não a final, mas a do meio:
Pai, porque me deixaste tão só?

10.3.10

Toda vez que amo, me sinto artista.
Toda vez que estou com meus amigos, sorrio artista.
Toda vez que vovó me fazia cafuné, eu era artista.

Quem me ensinou foi Chaplin: nos seis meses de greve da alfabetização, aprendi a ler na sua biografia, também repleta de figuras, magnéticas. Hoje agradeço pela escrita torta, pelas palavras vadias....um vagabundo! Se fosse formado, certamente não saberia que apenas os vagabundos vivem para o mundo...

Toda vez que vejo Chaplin, intuo viver arte. Intuo que fazer arte não é ter arcabouço teórico, erudição, técnicas mil nem nada disso...Quando vivemos questões ou quando elas nos vivem, a própria vida é arte. Errante, Chaplin caminha uma realidade onde nunca existem muros e sim somente o convite à estrada. Sorrindo...

Arte é vagabundear a vida. Sem função nem objetivos. Gastar o sapato e girar a bengala sorrindo: quando a dor te procurar. Agora posso dizer por aí que sou artista, pois ninguém poderá avaliar minha obra. NEm mesmo após a morte, pois a estrada não tem chegada alguma.

Mas, afinal, o que então somos? Arte ou artistas?

Se o mundo for feito de encantadores, o céu tem que desabar na Terra.
Se o mundo for feito de encantados, é a Terra que tem que desabar no céu.
Encantados e encantadores; arte e artistas; sorrimos caminhada nossa. De cada um.

19.2.10

O imã que tenho no peito
Teimou de desprender pedaços enferrujados de dias.
Magnético, agora só atrai girassóis.

12.2.10

O escorrega deslizou o sorriso de Tiago.Quando ele parou já era o meu.

O menino que fui me voltou.Deu a volta no tempo.Veio fazendo espiral.Agora sou Alice:Quanto maior, menor.

Passei meu passado a sujo. Borrei ele todo.Da dor não se foge, se burla.Do passado, macula-se branco só seu futuro.

Sou sem passado. Sou sem futuro. Sou sem sou.Tiaginho me é.Cecília também.Aquele antigo eu que agora corre e sorri é das crianças.

Gargalhada plena, só balbucia.Não lhe faltam as palavras, língua para medir.O menino é a alegria de descobrir que outro menino já sabe correr.Os olhos-a-mil: na terra, podemos riscar com um pauzinho o chão!Tiago não descreve; só experiencia.Não fale, Tiago: sorria!O menino é linguagem nascente de rio.

8.1.10

Sarah: O que prova sua morte?

Paulo: O triunfo da beleza e da justiça!

Final e começo de Terra em Transe

Muitos dizem que vivemos numa era Pós-Moderna, pela mudança de estruturas fixas na política, nas relações sociais, nas comunicações e formas de produzir e circular conhecimentos...A crítica a um certo niilismo talvez esteja ancorada em uma visão conceitual da realidade, onde sempre se fala de fora, sobre algo.

Acontece que agora, o muro que nos separa das coisas tem só escombros. A dificuldade então consiste em como nos movermos sem esses conceitos estruturantes: casamento não é mais pela vida necessariamente pela vida toda. E quando é...Como então amar?? Como amar dá conta da forma, do como. Mas e o amor? É questionado? Seria ele algo meramene sentimental, passível de rompantes de crise? O problema aí talvez passe por nossa inaptidão para movimentarmo-nos sem setas morais indicando caminhos. Essa é uma novidade que o século XXI traz: Aprender a lidar com questões que perderam a ferrugem moral, dogmática e conceitual, sem no entanto afundar em abismos a cada esquina. A fenda caótica abriu-se! Mas como deixar de escorregar no chão de gelo? Dançando no caos! Com música! Em concerto: A pergunta não quer resposta: quer pergunta.

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A insuficiência do par ser/não ser vivida tragicamente por Hamlet, nos abre, por exemplo, a possibilidade de experienciar a insuficiência de explicações para tudo. Mas essa não é uma questão Pós-Moderna? Não. A realidade sempre foi a mesma; mudam as tentativas de se escrever cartas em braile com certezas cegas ao tentar capturar o real com conceitos, moralidades, verdades científicas neutras...

Revi o Terra em Transe com um amigo brazileiro. O filme nos motivou a pensar o limite de aparências e explicações. O poeta Paulo Martins não quer a coerência de explicar-se politicamente. De apoiar o ditador Díaz ou o populista Vieira. Paulo, poeta, dá-se à tragédia de todo dia: o exercício vão da poesia. Sim: as explicações não dão conta do humano. Nunca deram. Acontece que se dar conta disso implica numa quebra dilacerante dos sentidos que atribuimos às nossas vidas! Caminhamos a passos trôpegos, com o peito recheado de cacos do que quebrou. Dos sentidos de nossa existência que racham: o trabalho agressivo. Os amores que morrem e matam. Os amigos apartados...

Talvez o que este século venha nos ensinar( no limiar da nova década de 10), o nosso destino, seja o aprender a caminhar num movimento, em concerto: perder pela estrada, no pó, na terra em transe, os cacos de sentidos estilhaçados- que guardados cortam o peito. Esse movimento de deixar sentidos-partidos, metal que se livra do peso de imãs, implica na construção e em ser poeticamente refeito por sentidos novos, abertos. É nisso que tanto relutamos: largar o que desabou, fere e corta, deixar de circular no mesmo eixo e nos re-integrarmos. Paradoxais, mas inteiros. Sem depender de condições ou atribuições...

O século XX expôs muito bem nossos demônios. Agora que convivemos com eles, é hora de tomarmos posse dos deuses que nos são...Ser Paulo Martins: aquele que não quer chegada e sim apenas partida!

4.1.10

O outro...é isso que não cabe em nós.
Não cabe a nós desatarmos os nós..