17.9.10

Gira-mundo


I-

De uma roda, de algo que gira, o centro é sempre estático, embora em movimento...Penso em carros de boi, rodando mundo-à-fora, com a roda que gira o carro e o carro que roda o mundo. Mas como pode algo igual estar, no tempo, diferente? Contradição? Paradoxos. É deles que se exprime o que ainda não foi dito. E o que eu ainda nunca disse é que acontece em mim sempre algo igual, mas que retorna diferente. Sempre outro mesmo: Sei como sei pelos olhos dela. E não é isso o amor?

II-

Talvez. Vivaldo estava cansado de ser um só. Queria era ser só um. Todos os dias, via nos olhos da mulher o reflexo de si; nos dois olhos. Uma dobra? - Se me vejo dois e sou um só, não posso estar inteiro e sim partido.É ela. Toda vez que me vejo naquela luminescência, reparto-me em constelações de eus...Quantos eus existem? existe um?

III-

Belo dia, Vivaldo deixou da coisa de partir e ficou: todo. A exultação de ser ele. De ele todo ser bonito. Adjetivou-se demais. Agora não reconheciam sua beleza. Era sujeito indeterminado. Pela primeira vez achou que amava mesmo aquela e chamou-lhe até de amor. O próprio amor?! E amor é coisa chegável que se tenha só para si?

IV-

A estória pode parecer curta. Mas não são os atos que nos fazem. Somos orquestradamente feitos da matéria invisível que compõe o molde de nossos atos. E depois desmolda. Atuar é sempre começar algo. Mas Vivaldo queria viver e pensava que isso fosse começar alguma coisa, e que talvez essa coisa fosse o amor; todo aquele seu. Inteiro ou metade? Na perda de dúvidas, amou. Amou tanto, que por amar até o amor, odiou: queria nos olhos dela, amar como a si mesmo.Queria que o espelho se voltasse contra ele sem quebrar. Odiou aqueles olhos...Agora de tempestade!

V-

O amor no meio e o ódio rodando. Mas o igual sempre volta diferente. Daquele ódio pela diferença, quis amar o que via nela de igual, mas não pode mais: já também se odiava. E foi o ódio que sentiu de tudo que se repetia nas veias e nos olhos dela que recobrou, no fim, o meio da roda: amou o que retornava novo, em frescores. Cores re-novadas. Vivaldo ali dançou, cantou, fez de qualquer espaço seu lugar; pediu até ao sol que botasse seu chapéu de festa e mais o alumiasse...Até a manhã seguinte. Mal sabia que era o começo do fim. Conto curto porque a vida corta forte: Vivaldo acabou foi começando...Pois do ódio renasceu um amor,que sentido sem razão, foi assim...musicando seu fim.

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