10.9.08

Caminhando tranquilo pela noite melancólica que calava o turbilhão já mudo da rua feita de comércios, apresentou-se aquela cena irreparável. Eu, que optei por voltar para casa a pé para com o troco da passagem fazer um lanche,des- lanchei.

Eis que vi um rapaz agachado, mexendo num saco de lixo e, naturalmente, fazendo dele sua talvez única refeição do dia. A primeira porção fez-me incrédulo. A segunda trouxe espanto, raiva e ojeriza. A terceira vez, mãos levadas à boca, levaram -me a não ser mais eu. Senti meu lache ser a janta dele. Se somos biológicamente idênticos, por que o absurdo? Por que eu não mais conseguia comer tranquilo meu lanche e o jovem, naturalmente remexia o lixo, levando tragédias achadas à boca?

Enquanto uns comem para viver, outros o fazem para não morrer...Como aceitar essa fratura em nosso mundo? Como concordar indiferente que a terra, mãe, viva, deusa de muitos, ofereça suas dádivas em fartura e isso se torne fratura? Ali, naquele instante de terror para mim e de absurda normalidade para o rapaz, não havia a desculpa de num dar dinheiro pela justificativa da possível cachaça. também não havia o não dividir proque vicia a pedir...O que havia era apenas o abismo irreconciliável entre eu e ele. Ou melhor, o abismo em que, de formas diferentes, sim, eu e ele estavamos e estamos ainda enfiados: Ou posso ser digno de sono e sonhos quando não tenho casa e estou animalizado? Agora sou ele. O rapaz. Nós irmanados em des-graça. Mas será que um dia ele será eu?

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